Por que razão os microrganismos têm o seu dia internacional? por Isabel Sá-Correia

Ainda que pelas piores razões, o conhecimento científico e a inovação em microbiologia saltaram para os meios de comunicação social de massa e têm estado no centro das atenções em todo o mundo. Sem dúvida que a crise de saúde pública causada pelo novo coronavírus veio mostrar, com total clareza, a necessidade de os governos e a sociedade em geral lhes prestarem a devida atenção. Passou-se também a dar valor a especialistas e divulgadores que, com rigor, tornem compreensível esse conhecimento científico pelo cidadão comum. É que só a alfabetização ou literacia em microbiologia permitirá aos cidadãos compreender e confiar nesta ciência e rejeitar teorias infundadas e obscuras. Há dois anos, quem acreditaria que conceitos como epidemiologia, imunologia, testes PCR, variantes de vírus, vacinas de RNA …, passariam a ser entendidos por tantos, após um processo acelerado de auto-alfabetização alavancado por divulgadores improvisados que entraram pelas nossas casas? Tal resultou de uma necessidade sentida.  Também os governantes precisaram de informar adequadamente as suas decisões políticas para minimizar medidas erráticas e prejudiciais para a saúde e a economia dos países que têm o privilégio e a responsabilidade de governar. Mas será que esta tendência se estenderá a outras áreas da microbiologia em que são também necessárias decisões essenciais e difíceis, individuais e políticas? Virá a ser dada a devida atenção à exploração dos recursos microbiológicos de interesse em Biotecnologia para potenciar uma bioeconomia cada vez mais sustentável e passível de gerar benefícios para a economia, o ambiente e a sociedade? Esta é hoje uma prioridade pois o tempo para contrariar as alterações climáticas está a esgotar-se e os custos económicos e sociais associados poderão ultrapassar, em muito, os da pandemia. Também um maior conhecimento e controlo da atividade dos microrganismos prejudiciais permite uma resposta adequada aos desafios que estes colocam à saúde humana e animal, à agricultura e qualidade e conservação de alimentos.

O Dia Internacional do Microrganismo / International Microorganism Day (IMD), 17 de setembro, foi criado para evidenciar o papel que uma multidão invisível de seres vivos, muito diversos, desempenha nas ciências da vida, na vida quotidiana, num vasto leque de atividades profissionais e oportunidades de carreira. A 17 de setembro de 1683, o comerciante holandês Anton van Leeuwenhoek, sem fortuna ou graus académicos, enviou, à Royal Society of London, uma carta em que fazia uma primorosa descrição da primeira observação de bactérias vivas presentes na placa dentária. Este cidadão curioso, embora um improvável cientista, tinha aperfeiçoado um sistema de lentes óticas tornando possível ampliações extraordinárias para a época. Estas revelaram a vida microscópica; estavam lançadas as bases da microbiologia! Um fundador da microbiologia moderna, Louis Pasteur, considerava que “o papel dos infinitamente pequenos na natureza é infinitamente grande” pelo que os esforços colocados na divulgação e alfabetização da sociedade em microbiologia facilitarão escolhas informadas relacionadas com vacinação, uso de antibióticos, controlo de qualidade e segurança de alimentos, biocombustíveis avançados...

As comemorações do IMD tiveram início em Portugal, em 2017, promovidas pela Sociedade Portuguesa de Microbiologia (SPM) e outras associações nacionais relacionadas com as ciências da vida e divulgação de ciência. A SPM catalisou a internacionalização do Dia com o apoio de prestigiadas sociedades científicas internacionais com destaque para a FEMS (Federação Europeia das Sociedades de Microbiologia). Registos das comemorações realizadas em Instituições de ensino superior e centros de investigação, museus, escolas, centros ciência viva, estão disponíveis no website bilingue (https://www.internationalmicroorganismday.org/). Foram organizadas por muitos milhares de professores, investigadores, estudantes graduados e outros profissionais da Microbiologia. Combinaram laboratórios abertos, exposições em que os visitantes puderam ver fazer ou fazer as suas próprias experiências e degustar produtos de origem microbiológica, ações de formação de professores, debates e palestras sobre tópicos de impacto social e temas quentes da microbiologia moderna. Em plena pandemia, foi organizada, em 2020, uma transmissão contínua de microbiologia ao vivo através da internet, durante 24 horas, (disponível no Youtube https://www.youtube.com/c/InternationalMicroorganismDay). Vários milhares de espetadores, espalhados pelo mundo, estiveram online mostrando o alcance do IMD.

O IMD 2021 está mesmo a chegar! Poderá participar numa reunião sem fronteiras e celebrar a microbiologia acompanhando a transmissão online (em inglês) em  https://www.internationalmicroorganismday.org/. Em Portugal será entre as 11h de quinta-feira 16 de setembro e as 11h de sexta-feira, 17 e a sua gravação ficará disponível no Youtube.  Para compartilhar informação, marque o IMD (@IntMicroDay) e use a hashtag #InternationalMicroorganismDay.  Desde a sua primeira edição, o Técnico aderiu e promoveu o IMD. Em https://diainternacionaldomicrorganismo.tecnico.ulisboa.pt/ poderá assistir a palestras que também fazem parte do programa internacional de modo a atingir os muitos milhões de falantes do português em todo o mundo. Nesse website encontrará ainda outra informação microbiológica. Junte-se a nós e a todos os que, pelo mundo, celebrarão a microbiologia no Dia do microrganismo!

Isabel Sá-Correia, Professora Catedrática de Ciências Biológicas do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa; Presidente da SPM de 2009 a 2020.

Artigo de opinião no jornal i online. Publicado a 14 de setembro de 2021

Cláudia Godinho